Organização criminosa e vara especializada - 1
O Plenário iniciou julgamento de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, contra a Lei 6.806/2007, do Estado de Alagoas, que criara a 17ª Vara Criminal da Capital, atribuindo-lhe competência exclusiva para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas dentro do território alagoano. A respeito do art. 1º da lei [“Fica criada a 17ª Vara Criminal da Capital, com competência exclusiva para processar e julgar os delitos envolvendo atividades de organizações criminosas (Crime Organizado) e jurisdição em todo território alagoano. Parágrafo único. As atividades jurisdicionais desempenhadas pela 17ª Vara Criminal da Capital compreendem aquelas que sejam anteriores ou concomitantes à instrução prévia, as da instrução processual e as de julgamento dos acusados por crime organizado”], decidiu-se, por maioria, dar-lhe interpretação conforme a Constituição, para excluir exegese que não se resuma ao disposto no art. 1º da Lei 9.034/95, com a redação dada pela Lei 10.217/2001 (“Esta Lei define e regula meios de prova e procedimentos investigatórios que versem sobre ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas de qualquer tipo”).
ADI 4414/AL, rel. Min. Luiz Fux, 24.5.2012. (ADI-4414)
Organização criminosa e vara especializada - 2
Inicialmente, o Min. Luiz Fux, relator, discorreu sobre a preocupação mundial no sentido de prevenir e reprimir a criminalidade organizada. Estabeleceu premissa de que seria constitucional a criação, pelos estados-membros, de varas especializadas em razão da matéria, seja em âmbito cível ou penal. Destacou, nesse sentido, o art. 74 do CPP (“A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri”), o qual estaria em conformidade com o art. 125 da CF (“Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição”). Frisou impender a adequação às necessidades, carências e vicissitudes de cada região e mencionou jurisprudência da Corte a corroborar esse entendimento. Ressalvou que a liberdade estadual na criação de varas especializadas encontraria freios somente nas competências previstas constitucionalmente, que deveriam ser respeitadas por critérios definidos na lei local. Sublinhou a Recomendação 3/2006, do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, a indicar a especialização de varas criminais para processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas.
ADI 4414/AL, rel. Min. Luiz Fux, 24.5.2012. (ADI-4414)
Organização criminosa e vara especializada - 3
Considerou que o conceito de “crime organizado” seria intrinsecamente fluido e mutável, de acordo com as diversas culturas e meios sociais. Rememorou a Convenção de Palermo, incorporada ao ordenamento brasileiro desde 2004, cuja definição desse gênero de delito seria vaga e imprecisa (artigo 2, a, b e c). Ademais, enumerou as características desse gênero de crimes, reconhecidas pela doutrina e jurisprudência: a) pluralidade de agentes; b) estabilidade ou permanência; c) finalidade de lucro; d) divisão de trabalho; e) estrutura empresarial; f) hierarquia; g) disciplina; h) conexão com o Estado; i) corrupção; j) clientelismo; k) violência; l) relações de rede com outras organizações; m) flexibilidade e mobilidade dos agentes; n) mercado ilícito ou exploração ilícita de mercados lícitos; o) monopólio ou cartel; p) controle territorial; q) uso de meios tecnológicos sofisticados; r) transnacionalidade ou internacionalidade; s) embaraço do curso processual; e t) compartimentalização. Reputou não haver consenso a respeito das características essenciais dessa figura delitiva, bem como que a lei impugnada poderia ter escolhido qualquer critério para fixar a competência da vara criminal em razão da natureza do crime. Ressurtiu que o Enunciado 722 da Súmula do STF não se aplicaria ao caso, tendo em vista que a norma estadual não veicularia tipo penal incriminador, nem transbordaria de sua competência para tratar de organização judiciária. Além disso, não verificou afronta aos princípios do juiz natural, da vedação à criação de tribunais de exceção e da legalidade (CF, art. 5º, LIII, XXXVII, II e XXXIX, respectivamente).
ADI 4414/AL, rel. Min. Luiz Fux, 24.5.2012. (ADI-4414)
Organização criminosa e vara especializada - 4
O Min. Cezar Peluso apontou que, na medida em que a lei estadual definiria o que fosse organização criminosa em termos de tipificação, ela extrapolaria seus limites, visto que esse conceito, apesar da Convenção de Palermo, poderia ser estabelecido apenas por lei federal. A respeito, o Min. Celso de Mello pontuou que convenções internacionais não se qualificariam como fontes formais de direito penal, para o qual vigoraria o princípio da reserva legal. O Min. Dias Toffoli registrou a necessidade de compatibilizar a lei atacada com o texto constitucional, por meio de interpretação conforme a Constituição, considerada a existência de projeto de lei em trâmite no legislativo, a tipificar crime organizado. O relator lembrou, também, a funcionalidade do sistema inaugurado pela lei vergastada, já que a 17ª Vara existiria desde 2007. No ponto, o Min. Cezar Peluso dessumiu que o art. 1º deveria ser interpretado de forma que a vara especializada fosse competente para processar e julgar delitos decorrentes de ações praticadas por quadrilha ou bando ou organizações ou associações criminosas, nos termos da Lei 9.034/95, visto que “organização criminosa” não diria respeito a fatos, mas a autores de crime e a modo de execução. O Min. Ricardo Lewandowski aduziu existirem três figuras assemelhadas que a lei alagoana teria buscado compreender no seu art. 1º: a) quadrilha (CP, art. 288); b) associação criminosa (Lei 11.343/2006, art. 35); e c) associação (Lei 2.889/56, art. 2º). Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgava inconstitucional o preceito. Asseverava que os tipos penais “organização criminosa” e “crime organizado” não estariam descritos no Código Penal e, por isso, o Supremo não poderia tomar de empréstimo o que contido na Convenção de Palermo, sob pena de colocar em segundo plano o princípio constitucional da reserva de lei. Afirmava que, ante a ausência da definição dos tipos mencionados, não poderia haver atividade judicante a ser desempenhada pela vara criada no tribunal de justiça. Após, deliberou-se suspender o julgamento.
ADI 4414/AL, rel. Min. Luiz Fux, 24.5.2012. (ADI-4414)
1ª parte
2ª parte
» Informativo 667 do STF - 2012
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